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Reabertura de Créditos Especiais e o seu reflexo no Superávit Financeiro



Estava um dia desses me perguntando sobre qual a fonte de recursos a ser utilizada quando reabro um crédito especial com base no § 2º do art. 167 da Constituição da República:

§ 2º Os créditos especiais e extraordinários terão vigência no exercício financeiro em que forem autorizados, salvo se o ato de autorização for promulgado nos últimos quatro meses daquele exercício, caso em que, reabertos nos limites de seus saldos, serão incorporados ao orçamento do exercício financeiro subseqüente.

Segundo o TCE/RS, o registro deve considerar a mesma fonte de recursos utilizada para a abertura do crédito original, lá no orçamento do ano anterior (alguém me disse isso, mas não confirmei em nenhum documento do TCE/RS, por enquanto). De qualquer forma, sempre tive a sensação de que era o superávit financeiro do exercício anterior quem deveria pagar essa conta, ainda mais depois de ler o que diz o § 2º do art. 32 do Projeto de Lei nº 229/2009, que visa substituir a Lei nº 4.320/1964:

Art. 32. Os projetos de lei relativos à abertura de crédito suplementar ou especial dependerão da existência de recursos disponíveis para atender às despesas neles previstas e serão acompanhados de exposição de motivos circunstanciada que os justifique e que indique as consequências de cancelamento de dotação eventualmente proposto sobre a execução da ação orçamentária.
§ 1º Para os fins deste artigo, consideram-se recursos, desde que não comprometidos:

I – o saldo positivo dos recursos apurado por vinculação e, quando possível, por unidade orçamentária, no exercício anterior;

II – o proveniente de excesso de arrecadação por vinculação dos recursos;

III – o resultante de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias, inclusive da Reserva de Contingência;

IV – o produto de operação de crédito autorizada até o montante que seja possível realizar no exercício;

V – o cancelamento de restos a pagar, desde que verificada a disponibilidade financeira; e

VI – aqueles referidos no art. 166, § 8º, da Constituição Federal.

§ 2º Os recursos de que trata o § 1º, incisos I, II, III, V e VI, somente poderão ser utilizados depois de deduzidos os saldos dos seguintes créditos abertos ou reabertos no exercício ou que estejam em trâmite no legislativo:

I – créditos adicionais reabertos;

II – créditos adicionais abertos com saldo de dotações de projetos de investimentos plurianuais do exercício anterior; e

III – créditos extraordinários.

Mas como esse projeto de lei ainda não se converteu em lei, e a Lei nº 4.320/64 ainda vigora, tive que desenvolver uma tese para justificar essa minha impressão. Vamos tomar por base o orçamento de 2016. Suponhamos que em dezembro abrimos um crédito especial que não foi executado integralmente naquele ano e foi, então, reaberto em 2017.

Lá em 2016, na abertura do crédito, foi indicada uma fonte de recursos (vou usar uma só para efeitos didáticos). Essa fonte pode ser o superávit financeiro, o excesso de arrecadação ou a redução de dotações orçamentárias (também vou desconsiderar o cancelamento de restos a pagar, até porque o seu efeito é o de aumentar o superávit financeiro).

Caso o superávit financeiro tivesse sido a fonte de recursos do crédito aberto em 2016, a execução total desse crédito teria como consequência um superávit financeiro para 2017 menor. Como o crédito não foi integralmente executado em 2016, no exemplo, os recursos que o suportariam acabaram migrando para o superávit em 2017.

Se, de outro forma, em 2016 a fonte de recursos tivesse sido o excesso de arrecadação (efetivo), a não execução total do crédito aberto teria, também como consequência, um superávit maior para 2017.

Mas e se a fonte de recursos tivesse sido a redução (ou anulação) de dotações em 2016? Neste caso, o mesmo efeito no superávit seria observado, porque uma dotação quando originalmente prevista na LOA tem como fonte de recurso uma receita orçamentária. Quando eu arrecado mas não gasto, independente se é na dotação original ou numa que a sucede através de redução, o efeito também é de um superávit maior para o exercício seguinte.

Ou seja, os recursos que irão suportar o crédito reaberto estão “dentro” do superávit financeiro, independentemente da fonte de recursos indicada na abertura do crédito no exercício anterior.

Uma outra forma de se entender isso é considerar que a dotação reaberta em 2017 não se encerrou em 2016, mas sim, continua em execução no ano seguinte, ou seja, o orçamento de 2016 continuaria em execução durante 2017 no que se refere às dotações reabertas. Assim, é como se os recursos se mantivessem vinculados a 2016 em vez de vincularem-se ao orçamento de 2017.

Outra forma de demonstrar que necessariamente temos que onerar o superávit financeiro com a reabertura de créditos é analisando o efeito da reabertura no orçamento.

Vamos supor que no ano da reabertura tivemos os seguintes fatos orçamentários:

Receita prevista na LOA: R$ 10.000.000,00;

Despesa Prevista na LOA: R$ 10.000.000,00;

Créditos reabertos: R$ 500.000,00;

Receita arrecadada: R$ 10.000.000,00;

Despesa executada (originalmente prevista na LOA): R$ 10.000.000,00; e

Créditos reabertos executados: R$ 500.000,00.

De pronto observamos que houve um déficit orçamentário de R$ 500.000,00, já que o que se previu na LOA foi arrecadado e executado (é um exemplo didático, não vamos complicar com alterações orçamentárias). Então, de onde vieram os recursos para a execução dos créditos reabertos? Não há outra fonte que não seja o superávit financeiro do exercício anterior, porque se não fosse isso, ou a despesa não seria executada, ou o ordenador de despesas estaria em maus lençóis.

Isso tudo leva a uma conclusão óbvia: somente podemos reabrir créditos até o montante disponível de superávit financeiro na data da reabertura e no código de recurso vinculado da dotação.

Quanto a primeira parte da conclusão, sim: além do limitador do saldo da dotação, também há o limitador do superávit disponível na data da reabertura (posso ter utilizado parte do superávit para abertura de outros créditos antes da reabertura).

Contudo, afirmar que só posso reabrir até o limite de superávit do código de recurso vinculado da dotação, não é bem assim, e digo o porquê.

O controle por código de vinculação de recursos, que alguns chamam de fonte de recurso (que não utilizo aqui para não causar confusão), é o mecanismo operacional que implementa o parágrafo único do art. 8º da Lei Complementar nº 101/2000, a LRF:

Parágrafo único. Os recursos legalmente vinculados a finalidade específica serão utilizados exclusivamente para atender ao objeto de sua vinculação, ainda que em exercício diverso daquele em que ocorrer o ingresso.

Entretanto, ele não compõe a classificação orçamentária para fins de LOA. Isso quer dizer que o código de recurso vinculado não faz parte da dotação (ou rubrica) orçamentária. Até porque, ele tem natureza de informação muito mais financeira do que orçamentária (no Rio Grande do Sul, temos códigos de recurso vinculado até para recursos extra-orçamentários).

Isto quer dizer que, se na reabertura de determinado crédito especial não existir saldo suficiente no superávit financeiro do código de recurso vinculado original, é possível a reabertura com outro código de recurso vinculado, desde que este novo código seja aplicável à despesa que será realizada através do crédito reaberto.

Por exemplo, se o crédito original e que será reaberto era vinculado ao código da fonte de recursos do FUNDEB, porém não há superávit suficiente naquele recurso vinculado, é possível, em tese, reabrir o crédito com o recurso vinculado MDE, ou até com recurso vinculado LIVRE (recursos vinculados utilizados no Rio Grande do Sul).

Por fim, embora a Constituição da República não fale que a reabertura necessite de recurso disponível, algo contemplado no PL nº 229/2009, não é lógico nem prudente que se reabra créditos sem suporte financeiro.

Tudo bem que o inciso V do art. 167 da CR possa ser invocado como vedação à reabertura de créditos sem recursos correspondentes, mas vejamos que aquele inciso veda a “abertura” e não a “reabertura”:

V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;

Se existisse na CR alguma vedação explícita, esta ocorreria, ou no § 2º do art. 167, ou no inciso V do mesmo artigo mediante a inclusão do termo “reabertura”.

Mesmo não existindo vedação formal, o que impera é a prática, porque de nada adianta formalmente existir uma dotação, mas que não pode ser executada por falta de recursos, até porque, isso contraria um dos pressupostos básicos da LRF, que é a responsabilidade na gestão fiscal e o equilíbrio das finanças públicas.

Em tempo:

O colega Loureço de Wallau bem lembrou do § 1º do art. 43 da lei nº 4.320/64:

Art. 43. A abertura dos créditos suplementares e especiais depende da existência de recursos disponíveis para ocorrer a despesa e será precedida de exposição justificativa. (Veto rejeitado no D.O. 05/05/1964)

§ 1º Consideram-se recursos para o fim deste artigo, desde que não comprometidos:

I - o superávit financeiro apurado em balanço patrimonial do exercício anterior;

II - os provenientes de excesso de arrecadação;

III - os resultantes de anulação parcial ou total de dotações orçamentárias ou de créditos adicionais, autorizados em Lei;

IV - o produto de operações de credito autorizadas, em forma que juridicamente possibilite ao poder executivo realiza-las.

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