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Como determinar a economia do turno-único

A utilização de turno-único nas Prefeituras tem sido uma ferramenta recorrente nos últimos anos cuja principal justificativa apresentada é a de que a redução temporária do horário de funcionamento das repartições públicas resultaria numa economia importante de recursos, principalmente em períodos de redução na receita dos Municípios.


Embora, num primeiro momento possa parecer um argumento lógico, a mim sempre me pareceu muito mais uma falácia lógica do tipo Petitio principii ou Argumentum ad nauseam.

Uma busca sobre o assunto, traz algumas informações interessantes. A primeira delas é de que a economia alcançada com o turno único gira em torno dos 20%, percentual questionável porque nas fontes consultadas que citam essa economia não foram encontrados os estudos que comprovem tal afirmação. Um exemplo disto é esta notícia do Correio do Povo que cita um estudo de 2014 sobre o tema, elaborado pela FAMURS, onde constaria que a economia gerada pelo turno-único pode chegar até a 20%:

O departamento jurídico da entidade fez um estudo para orientar os gestores e a economia pode chegar a 20% O interessante que neste estudo (na verdade uma Nota Técnica) nada consta sobre essa economia de 20%.

Como não encontrei nada comprovando essa tão propagada economia, elaborei uma metodologia para apurar se de fato existe essa economia.

Essa metodologia é bastante simples de ser aplicada, porém depende que já no município em que se aplica já tenha passado por períodos de turno único, já que ela nada mas faz do que comparar a despesa dos anos de turno único com as de turno normal.

Para facilitar o entendimento, explicarei a metodologia passo a passo.

1º Passo: determinação dos períodos de análise.

Primeiramente, precisamos identificar quais os períodos de comparação. No meu caso, tivemos turno único nos seguintes períodos:

  • Novembro de 2013 a Fevereiro de 2014;
  • Novembro de 2014 a Fevereiro de 2015;
  • Novembro de 2015 a Fevereiro de 2016;
Nota-se que houve uma certa constância nos períodos de turno único. Como os dias de início e fim de cada turno único variaram dentro dos meses de novembro e fevereiro, adotei como parâmetro o primeiro dia do mês de início do turno único e o último dia do mês de encerramento. Porém, se houvesse variação de meses de início ou de fim, por exemplo, num ano, o turno único iniciou em agosto, mas no ano seguinte, ele iniciou em setembro, o resultado final deve ser apresentado em termos mensais e não do período inteiro do turno único.

2º Passo: escolha dos períodos de controle, em anos que não tiveram turno único.

No meu caso, eu adotei como comparação, os períodos de:
  • Novembro de 2010 a Fevereiro de 2011;
  • Novembro de 2011 a Fevereiro de 2012;
  • Novembro de 2012 a Fevereiro de 2013;
Novamente, como os meses de início e fim do turno único foram constantes, na escolha dos períodos de comparação (sem turno único), selecionei os mesmos meses de início e fim. Caso houvesse variação nos meses de início ou fim, uma base mensal deveria ser escolhida.

3º Passo: apuração das despesas liquidadas dos períodos selecionados.

Por que a despesa liquidada? Porque é a despesa executada, sempre lembrando que devem ser considerados também os restos a pagar não processados e liquidados nos períodos selecionados, isto porque se trata também de despesa executada. É óbvio que se pressupõe que a despesa seja liquidada nas suas respectivas competências, caso contrário, pode haver alguma distorção no resultado. Então é preciso analisar cada caso em concreto.

Outro fato sobre a despesa é que não são todas as despesas que serão consideradas: são consideradas as despesas correntes, já que, em geral, despesas de capital não se relacionam com o tempo de funcionamento das repartições do município.

De regra, se trabalhamos seis ou oito horas diárias, isso não vai influenciar na necessidade de aquisição de um computador ou um móvel. Também não são influenciadas pelo horário de trabalho as despesas com amortização de dívidas, nem juros e encargos, que podem ser deduzidas da receita corrente.

Isso nos leva a uma premissa: a de que somente devem ser consideradas as despesas que sofrem alguma influência da carga horária dos servidores, tais como despesas com energia elétrica, água e esgoto e telefone.

Então quer dizer que as despesas com contratos de prestação de serviços e outras que não tem relação com o quantum trabalhada deve ser deduzida?

Sim e não! Se você tiver condições de deduzir, então deduza, mas se isso for muito custoso, então mantenha as despesas porque em geral elas não sofrem alteração de valores (não significativamente, pelo menos), então sua influência no resultado será mínima. Mas sempre pondere o custo-benefício disso.

Outra despesa que deve ser deduzida é a de pessoal e encargos (Grupo de Natureza de Despesa 1). Essa dedução tem a finalidade de expurgar do cálculo o efeito da reposição salarial recebida geralmente no início de cada ano. O único cuidado é o de não deduzir os valores dos serviços extraordinários, estes que podem sim gerar economia tendo em vista a sua vedação durante o turno único. Assim, horas-extras devem ser consideradas nas despesas, bem como, se possível, os encargos correspondentes.

Também devem ser deduzidas as transferências correntes a instituições privadas ou públicas, a consórcios, as diárias e passagens, premiações, serviços de consultoria, auxílio-alimentação, obrigações tributárias e contributivas, despesas de exercícios anteriores, sentenças judiciais, indenizações e restituições. Todas estas devem ser deduzidas, como já dissemos, por não terem seus valores correlacionados à variação do horário de trabalho dos servidores, sempre ponderando o custo-benefício disso e analisando algum eventual caso especial.

4º Passo: deflação das despesas para fins de comparação.

Como vamos realizar a comparação de despesas entre períodos distintos, é necessário que se reduzam os valores a uma base única, na qual eu sugiro que seja a do primeiro ano de comparação. No meu caso, deflacionei pelo IPCA cada período desde a data de fim do período até 1º/11/2010, que é a data inicial do primeiro período de comparação. Assim, os períodos da deflação forma os seguintes:
  • Novembro de 2010 a Fevereiro de 2011: de 28/02/2011 até 1º/11/2010;
  • Novembro de 2011 a Fevereiro de 2012: de 29/02/2012 até 1º/11/2010;
  • Novembro de 2012 a Fevereiro de 2013: de 28/02/2013 até 1º/11/2010;
  • Novembro de 2013 a Fevereiro de 2014: de 28/02/2014 até 1º/11/2010;
  • Novembro de 2014 a Fevereiro de 2015: de 28/02/2015 até 1º/11/2010;
  • Novembro de 2015 a Fevereiro de 2016: de 29/02/2016 até 1º/11/2010;
Assim, a base de comparação foi monetariamente ajustada para 1º/11/2010, o que também solucionou um problema: a eventual influência de reajuste de preços, principalmente contratos de serviço que não forma deduzidos.

5º Passo: comparação dos períodos através da média aritmética.

O último passo é comparar a média aritmética da despesa ajustada dos períodos sem turno único com a média aritmética dos períodos de turno único. Essa comparação mostrará qual foi a economia média, se houver, do turno único.

É importante observarmos que algumas condições devem ocorrer para que esta metodologia possa ser utilizada, quais sejam:
  • Pré-existência de períodos de turno único;
  • Períodos de início e fim do turno único constantes durante os anos; e
  • A liquidação da despesa deve ocorrer nas devidas competências mensais, pelo menos como regra.

Considerações finais

Embora tenha se tornado uma espécie de tradição o uso de turno unico em cenários de dificuldades financeiras sob a alegação de que isso trará economia aos cofres públicos, tal resultado é facilmente questionável, uma vez que inexistem levantamentos sérios e consistentes sobre os resultados obtidos. Na maioria das vezes, os números apresentados não são acompanhados de elementos que possibilitem a sua verificação ou qualquer análise quanto à sua validade.

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